Em primeiro lugar, para discernirmos alguns posicionamentos do evangelicalismo hodierno. Afinal, o que é ser protestante? Se somos protestantes, o que significa isso? Em que têm reverberado até hoje os princípios reformistas? Será que estamos vivenciando atualmente, no meio evangélico brasileiro e mundial, algum retrocesso em relação à Reforma?
Em segundo lugar, conhecer o protestantismo é importante porque nos estimula a grandes empreendimentos no Reino de Deus. A história da Reforma é marcada por uma fé engajada e poderosa. A fé dos antigos protestantes e seus exemplos nos servem de inspiração para a vida cristã.
O que é ser protestante?
Ser protestante é pregar e viver todos os princípios da Reforma. Quais são eles? Os principais são Sola gratia (só a graça), sola fide (só a fé), sola Scriptura (somente as Escrituras) e sola Deo gloriae (somente a Deus a glória). Esses quatro lemas básicos sintetizam as verdades de que a salvação é apenas pela graça de Deus, mediante a fé; Jesus é o único mediador entre Deus e os homens; as Sagradas Escrituras devem ser a nossa única regra de fé e prática; e só Deus deve receber adoração.
Nós, protestantes, não aceitamos o confessionário, o jejum nos moldes clericais e o celibato compulsório. Com base no que nos ensina a Palavra de Deus, não reconhecemos o primado e a autoridade papal (reconhecemos o papa apenas como um líder religioso, mas não como o representante máximo do cristianismo nem muito menos reconhecemos seus ensinos como infalíveis, seja quando fala "ex cátedra" ou não, ou mesmo em seu ofício de "repetir o magistério ordinário"). Não reconhecemos também o culto à Maria, mãe de Jesus, ou aos santos. Repugnamos a venda de indulgência (perdão) ou bênçãos, quaisquer que sejam; a supersticiosidade e o uso de iconografia na adoração (imagens); a canonização de cristãos e a salvação pelas obras; o mercantilismo da fé; a idéia do purgatório e orações ou cultos pelos mortos. Dos sacramentos ministrados pela Igreja Romana, só administramos, pela Bíblia, o batismo e a Santa Ceia, que não tem o mesmo significado e liturgia da eucaristia católica. Quanto ao batismo, há igrejas protestantes que se assemelham a Roma neste ponto, no que concerne à execução, mas não são maioria.
O protestantismo histórico é formado pelas igrejas constituídas a partir da Reforma. São elas a luterana, as reformadas, a presbiteriana, a anglicana, a batista, a congregacional e a metodista.
O protestantismo pentecostal, terceiro e último ramo, é dividido pelos sociólogos em duas classes: pentecostalismo tradicional e neopentecostalismo. O pentecostalismo tradicional, do qual faz parte a Assembléia de Deus, nasceu com o mover do Espírito Santo no fim do século 19 e começo do 20. Vários protestantes de todas as denominações históricas redescobriram e receberam a experiência do batismo no Espírito Santo como bênção subseqüente à Salvação, com evidência física de se falar em outras línguas. Tal experiência significava um revestimento de poder do Alto, que possibilita ao cristão o uso de dons espirituais que há séculos haviam sido relegados pela Igreja. O título "pentecostal" é uma referência ao episódio de Atos 2, ocorrido no período da festa judaica chamada Pentecostes.
No início desse movimento, a idéia não era abrir novas igrejas, mas reavivar o fulgor protestante, fazendo com que os cristãos se voltassem a algumas doutrinas esquecidas. Como as igrejas não aceitavam tais manifestações, os cristãos "pentecostalizados", expulsos de suas congregações de origem, se agruparam e formaram outras igrejas, fazendo nascer o ramo pentecostal, consolidado durante os anos. Foi assim que nasceram as igrejas Assembléia de Deus, O Evangelho Quadrangular, Igreja de Deus, Igreja de Cristo, Assembléia de Cristo (essas três últimas são dos EUA; as brasileiras que detêm esses nomes, e não são fruto do trabalho de missionários dessas denominações norte-americanas, são neopentecostais), Igreja Pentecostal (há várias igrejas pentecostais tradicionais no mundo com esse título), etc.
Dentro do pentecostalismo tradicional, há algumas denominações mais novas que são incluídas, tais como O Brasil para Cristo (fundada em 1955) e as igrejas renovadas: Batista Renovada, Presbiteriana Renovada, Metodista Wesleyana, etc. Algumas destas últimas são um tanto recentes no Brasil, sendo mais antigas em outros países. Há outros sociólogos que classificam algumas delas como neopentecostais.
O neopentecostalismo surge na década de 70. Ele compreende denominações como a Universal do Reino de Deus, as comunidades evangélicas, os centros de evangelismo e adoração (muito comuns nos EUA), a Igreja da Graça e tantas outras. É incalculável o número de igrejas neopentecostais no Brasil. A cada semana nascem mais no nosso país. No mundo, então, é uma loucura. As igrejas neopentecostais são caracterizadas por modismos teológicos, inconsistências doutrinárias, o uso de elementos de toque na liturgia, a ênfase no exorcismo e curas, teologia da prosperidade e sincretismo religioso.
Retrocesso
Outra constatação é que o bojo neopentecostal também não pode julgar-se herdeiro da Reforma se seus princípios batem de frente com pontos básicos e inegociáveis do protestantismo. Não queremos generalizar, mas muitos desses grupos pregam e praticam coisas que envergonham o protestantismo. Em alguns casos, toda a doutrina protestante chega a ser destruída. Se não, vejamos: Não seria a promessa de felicidade, bênçãos e vitória através de uma contribuição financeira mais que generosa a volta do princípio da venda de indulgências e bênçãos? Não seria o uso de elementos como galhinho de arruda, sal grosso e copo d'água na liturgia uma volta ao misticismo medieval, tão condenado pelos reformadores? A teologia da maldição hereditária e da prosperidade não seriam um vilipêndio à doutrina da graça?